domingo, 15 de fevereiro de 2009

Tratados



Este mundo não tem centro enm

há outro mundo perto.

Aqui é-se mortal mas o pão vem

quente de manhã. Fica-se


monoteísta por antropomorfia (ou anamorfose?)

Aconteceu por cá a invenção

do jogo do xadrez e outros maduros

afeiçoaram-se à perspectiva. Ela


ensina como um zarolho paralítico vê o que lhe está por fora

à imitação do ciclope (o tal que tinha

de nascença um olho só

a meio da cara, por baixo da testa à grega)


e atado de pés e mãos não se arriscava

a sofrer de bicho-carpinteiro, vírus que as mães dizem atacar

os pequenos entes queridos quando

não havia cão nem gato que não metessem à bulha.


A invenção da perspectiva foi

de muita utilidade a arquitectos e designers,

o frio aprumo da régua somou-se aos quadros com

passos de dança e gansos


amestrados apresentaram em 3D

desenhos rigorosos ou apenas esboçados

(nessa altura não havia em cada lar pelo menos

um computador)


a detalhar com minúcia planos

que depois de alçados eram explicados

em explícitos cortes.


Por virtude da muita curiosidade que despertava quando jovem

a perspectiva foi simultânea amante de vários bons amigos

que a ela davam o seu melhor em dias e noites iluminadas pelos

prazeres em estudo.


Todos se ilustraram em várias artes

pondo a correr os saberes

aprendidos em comum. Consta que

Brunelleschi, Masaccio, Piero, o tudesco Alberto


e outros mágicos famosos tornaram credível

aquilo que a TV faz hoje noutra escala, a alta

escola do perigo: "tudo o que se amostra ao povo

deve ser-lhe dado a uma distância certa".
Júlio Pomar

3 comentários:

BlueVelvet disse...

Fantástico poema. E eu que adoro Pomar e até tenho um quadro dele, que não conhecia.
Aprendo sempre coisas por aqui.
Beijinhos e boa semana

MARTHA THORMAN VON MADERS disse...

Sublime, nada mais a dizer!
Voltei vá por lá.
beijos com saudades

Teté disse...

Ele escreveu mesmo "tudo que se amostra ao povo" ou é gralha?

Não percebo nada de pintura, acho bem que exista em diversas formas, com ou sem perspectiva, para todos os gostos. Do (muito) pouco que conheço da obra de Julio Pomar, só posso dizer que não sou especial apreciadora...

Beijocas!