domingo, 9 de janeiro de 2011

As coisas simples



Hoje, prefiro cantar as coisas simples, as que


crescem depressa, como os ciprestes, ou as


que se enrolam a tudo o que aparece nos muros


como as buganvílias. Através delas, vejo o céu


que me traz outras coisas, mais complicadas


dos que estas da terra; e também no céu


escolho, hoje, o que não é difícil, a nuvem

que há pouco parecia eterna e desapareceu;

ou um branco sujo que apagou o horizonte,

por algum tempo, e fez com que todo o

universo ficasse ao meu alcance para nada.

Mas o que é simples também pode ser o

seu contrário. Há uma lógica no interior

deste movimento que faz crescer o cipreste,

ou empurra a buganvilia para o fundo do muro;

e também as nuvens seguem uma direcção

precisa, mudando a sua forma à medida que

se afastam dos meus olhos. A verdade deste

mundo encontra-se no próprio acaso que

a determina; e sou eu que tenho de encontrar

as razões para o que não precisa delas,

porque a sua existência se limita a este

perfume de fim de verão, ou à queda

das folhas que se confundem com nuvens.

O mundo é imprevisível como a vida

da borboleta que nasceu de dentro da

buganvilia; mas o vento que há pouco soprava,

não me disse nada sobre isso, nem o seu

sopro vago me libertou de folhas e de

nuvens, para que o chão e céu ficassem

limpos. Só a borboleta, no instante do voo,

trouxe a sua luz dissonante para dentro

da natureza; e foi ao encontrá-la,

no meio da terra e das pedras do jardim,

que me apercebi de que nem tudo é simples,

quando a morte se cruza com a beleza.





Nuno Júdice