terça-feira, 18 de novembro de 2008

Um Poema

Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne.
Sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.

Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
rios, a grande paz exterior das coisas,
folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
- a hora teatral da posse.

E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as casas deitadas nas noites
e as luzes e as trevas em volta da mesa
e a força sustida das coisas
e a redonda e livre harmonia do mundo.
- Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.

- E o poema faz-se contra a carne e o tempo.

Herberto Helder

4 comentários:

Teté disse...

É difícil encontrar poemas de Herberto Helder, até porque os livros dele têm edições limitadas e esgotam num instante...

Por acaso, quando falaste naquela máquina de imprimir livros até me lembrei logo dele, que na altura um bloguista tinha anunciado no seu canto que queria comprar o último livro dele e não o encontrara em lado nenhum...

E gostei do poema, está claro! :)

Beijocas!

Ka disse...

Gosto imenso deste poema e já o pus no BDK!

Beijinho e um óptimo dia :)

Leonor disse...

Olha, aí está uma coisa bem lembrada Teté... é realmente complicado comprares algumas coisa dele, se deixares passar a oportunidade dos primeiros dias do lançamento, como aconteceu agora...

e este poema tem força:))

beijos, resto de boa semana

Leonor disse...

Ka

é dificil não gostar deste, acho eu, pelo que transmite. temos gostos parecidos... e não só no jazz
beijinho