segunda-feira, 17 de março de 2008

Escutaríamos Nós um Carvalho ou uma Pedra, se eles Dissessem a Verdade?



Título pertencente a Platão, a uma passagem do Fedro, que Maria Filomena Molder utiliza no seu livro As imperfeições da Filosofia.

No Fedro, esta passagem surge após Sócrates ter contado a história da invenção da escrita:

“Fedro - Que facilidade que tens, ó Sócrates, em inventar histórias egípcias, ou de qualquer outro país, como bem te aprouver.
Sócrates – Meu amigo, os sacerdotes do templo de Zeus em Dodona afirmaram que as primeiras palavras divinatórias saíram de um carvalho. Assim, as pessoas daquele tempo, que não eram tão sábias como vós, os jovens de hoje, contentavam-se na sua simplicidade em escutar a linguagem de um carvalho ou de uma pedra, desde que dissessem a verdade. Mas, para ti, o importante é saber quem fala e qual o seu país de origem: não te basta ver se ele diz, ou não, as coisas como elas são”
(275b-d)

Nós poderíamos acrescentar: mas, para ti, o importante é saber a edição, a cidade, o ano, conferir a bibliografia, as notas de rodapé, os CD-Rom sobre o assunto.
Passagem perturbante, juntamente com outras que, aliás, se lhe seguem, um em que Sócrates faz o elogio da fertilidade da dialéctica, dos discursos escritos nas almas, progenitores de uma raça de homens, que receberam por baptismo um nome ainda inseguro: filósofos. (…)”

Continuando a sua reflexão no capítulo com este título, e com recurso a vários autores para uma mesma linha de raciocínio, Filomena Molder termina dizendo:

“No tempo de Sócrates, ao tempo do nascimento da filosofia, enquanto o nome desta, e o que lhe correspondia, ainda se estava a fixar, Sócrates lamentava que os jovens já não acreditassem que um carvalho ou uma pedra pudessem ser escutados, se dissessem a verdade, que já não conhecessem a simplicidade do coração que escuta.
Aqui está a divisão, o intervalo que não se fecha, sobre o qual assenta a filosofia, a sua madre. Pois, se Sócrates evoca aqueles que escutavam o rumorejar das folhas dos carvalhos, ele próprio não saberia fazê-lo (tão amigo das cidades como ele era!). E, no entanto, embora pareça que o jovem Fedro deu um passo mais adiante, um passo para o lugar onde nós nos avistamos a nós próprios agora, o lugar já recuado de Sócrates, o lugar daquele que evoca uma experiência que não pode partilhar a não ser falando dela, esse lugar ficará ainda, ainda e sempre, atado aos pés de Fedro, lugar nostálgico de uma crença na legibilidade da natureza, de uma nostalgia da simplicidade do coração que essa crença implica (…).”

Filomena Molder, que não só me transmitiu conhecimentos, sendo minha professora na Licenciatura, como também me fez pensar.

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