sábado, 26 de janeiro de 2008

A História da Sua Vida

Tenho colado na porta do meu gabinete as

Perguntas de um Operário Letrado

Quem construiu Tebas, a das sete portas?
Nos livros vem o nome dos reis,
Mas foram os reis que transportaram as pedras?
Babilónia, tantas vezes destruida,
Quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas
Da Lima Dourada moravam seus obreiros?
No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde
Foram os seus pedreiros? A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? A tão cantada Bizâncio
Só tinha palácios
Para os seus habitantes? Até a legendária Atlântida
Na noite em que o mar a engoliu
Viu afogados gritar por seus escravos.

O jovem Alexandre conquistou as Indias
Sózinho?
César venceu os gauleses.
Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?
Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha
Chorou. E ninguém mais?
Frederico II ganhou a guerra dos sete anos
Quem mais a ganhou?

Em cada página uma vitória.
Quem cozinhava os festins?
Em cada década um grande homem.
Quem pagava as despesas?

Tantas histórias
Quantas perguntas

do Bertold Brecht, que aprecio. Uma vez, em conversa com uma colega, sugeri, aliás, que o deveriamos ter em linha de conta quando tomássemos decisões no que diz respeito à avaliação de documentos.
Vem isto a propósito de um pequeno comentário que José Pacheco Pereira fez esta semana na Revista Sábado (obrigado Mena), intitulado Milhares de Histórias de Vida.
Parece que, no âmbito do programa Novas Oportunidades, as pessoas são convidadas a escrever a História da Sua Vida, o que faz com que, dada a elevada taxa de adesão a este programa, o Estado pudesse ficar detentor de um manancial de informação riquissimo de informações pessoais com óbvio interesse para o estudo desta época. Naturalmente teria de ser estudada a melhor forma de o fazer, mas perder esta fonte, que decorre da própria natureza deste programa, será um não aproveitar de uma oportunidade que não surge assim de um dia para o outro.
E onde arquivar toda esta documentação? Talvez no Arquivo de História Social?

4 comentários:

Paula Crespo disse...

Adorei as Perguntas de um Operário Letrado!
Quanto às histórias das vidas... é interessante, por princípio. Mas já estou mesmo a ver o tipo de contribuidores - dos tais que acham que "a minha vida dava um filme"... :-))

Leonor disse...

não conhecias? eu gosto bastante, sempre achei um poema forte.

Aliás, quando nós arquivistas estamos a decidir o que deve ficar como memória histórica de determinada instituição (e obviamente há regras para isso)e assim "condenamos" documentação à eliminação, às vezes penso nele.
não sei se leste o post mais abaixo do quem somos, etc... mas realmente os registo de óbito de simples anónimos mortos pelos franceses, podiam permitir estudos interessantes.

quanto às histórias de vida, as pessoas já as estão as escrever e portanto o estado já está a não as aproveitar. haverá de tudo, claro, mas será esse mosaico que terá porventura interesse.

Sofia Nunes disse...

Lindíssimo texto e muito inquietante como tudo o de facto importa.
Obrigada por o teres partilhado comigo.
Sofia

Leonor disse...

Sofia

não acho inquietante, acho só que nos deve fazer pensar, isso sim. De resto, é para isso que servem os bons textos, acho eu.

bsj