Farei versos de puro nada:
de mim, de gente desvairada,
da juventude, ou da amada,
de nada falo,
que os trovei ao dormir na estrada
sobre um cavalo.
Não sei em que hora vim ao mundo,
não sou jocundo ou furibundo,
não sou caseiro ou vagabundo,
sou sempre o tal
que o fado à noite marcou fundo
num monte astral.
Não sei se durmo ou velo, não,
sem a alheia opinião;
quase se parte o coração
com dor cordial
não ligo mais que a um formigão,
por S. Marcial.
Doente estou, creio que morro,
e só o sei por algum zorro,
A um bom médico recorro,
e não sei qual,
bom é, se obtenho o seu socorro;
mau, se estou mal.
Tenho amiga, não sei quem é,
pois nunca a vi, por minha fé;
para mim, santa não é, nem ré,
o que é igual:
normando ou francês nem ao pé
do meu quintal.
Nunca a vi, e tem o meu amor;
nunca me fez dano ou favor;
se a não vejo não sinto dor,
não ganho um galo;
sei de mais bela e bem melhor
e que mais vale.
Não sei quel é seu horizonte,
se o da planície ou o do monte,
nem digo o mal de que ela é fonte;
bom é que cale;
sofro que fique aqui defronte,
parto, afinal.
Fiz os versos, de quem não sei,
e por alguém os mandarei
que os mandará por outro meio
a Anjou ideal
para que venha do seu seio o
contra-sinal.
Guilherme IX de Aquitânia
14 comentários:
Leonor:
Ao ler o poema "farei versos de puro nada", notei a forma como o poeta desliza entre o "saber" que nada sabe, sabendo...lol
Gostei!
bjs
Leonor, nem sabes a pena qe tenho por não conseguir "entrar" na poesia. Sei bem que é todo um mundo que perco, mas por mais que tente, dou sempre por mim perdido!
Beijo!
Leonor,
Não conhecia e gostei de ler. Sabes foi uma das coisas boas que a internet me trouxe: poder investigar mais sobre poesia.
Beijinho
Muito interessante.
Não conhecia.
Beijinhos
"Todas as prendas que me deste, um dia,
Guardei-as, meu encanto, quase a medo,
E quando a noite espreita o pôr-do-sol,
Eu vou falar com elas em segredo ...
E falo-lhes d'amores e de ilusões,
Choro e rio com elas, mansamente...
Pouco a pouco o perfume do outrora
Flutua em volta delas, docemente ...
Pelo copinho de cristal e prata
Bebo uma saudade estranha e vaga,
Uma saudade imensa e infinita
Que, triste, me deslumbra e m'embriaga"
Adicionei-te o teu blog aos que leio e apresio...
Serás sempre bem vindo (a)
Uma linguagem repleta de sensibilidade, poeticidade e muita verdade (??)
Um abraço, Francisco
Nada, puro.
Pjsoueu
Ainda bem que gostou, este poema é de facto muito bom.
volte sempre
Rafeiro
Dá-me um bocadinho de tempo e faço-te uma compilaçãozita... depois pegas em ti um dia, vais para um sítio calmo, sem stress, sentado à volta de uma piscina ao fim da tarde, com uma bebida na mão e lês em silêncio em voz alta para ti mesmo.
Se depois disso ter perderes, é porque não é o teu karma!!!
beijos
Ka
Já aqui deixei um do Cancioneiro de D. Dinis e quando vi a notícia da publicação deste, corri (literalmente) a comprar.
Não é que a poesia contemporânea não me diga nada, diz e muito, mas cada vez gosto mais de recuar.
beijinhos, bom fim de semana
Vieira Calado
Ah, ora aí está uma coisa que não contava, mas ainda bem que gostou
bom fim de semana
Marta Ribeiro
o gosto pela poesia certamente nos ligará mais vezes, já lá passo
bom fim de semana
Olá Francisco
Tenho muito gosto em vê-lo por cá (mesmo que ande muito silencioso). e tem razão. ewste poema está cheio de sensibilidades
bom fim de semana
Rui
Exactamente.
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