O segundo crepúsculo.
A noite que afunda no sonho.
A purificação e o esquecimento.
O primeiro crepúsculo.
A manhã que foi alba.
O dia que foi manhã.
O dia inumerável que será a tarde gasta.
O segundo crepúsculo.
Esse outro hábito do tempo, a noite.
A purificação e o esquecimento.
O primeiro crepúsculo…
A alba sigilosa e na alba o soçobro do grego.
Que trama é esta do será, do é e do foi?
Que rio é este pelo qual corre o Ganges?
Que rio é este cuja nascente é inconcebível?
Que rio é este que arrasta espadas e mitologias?
É inútil dormir.
Corre no sonho, no deserto, numa cave.
O rio que me arrebata e eu sou esse rio.
Fui feito de uma matéria desagregável, de misterioso tempo.
Talvez o manancial esteja em mim.
Talvez de minha sombra surjam, fatais e ilusórios, os dias.
Jorge Luís Borges
13 comentários:
este post respira (lendo-o existimos)
Excelente escolha, Leonor :-)
A obra de Borges fascina-me. As suas viagens pela filosofia (e seus desdobramentos matemáticos), metafísica, mitologia e teologia, em narrativas fantásticas onde figuram os "delírios do racional", expressos em labirintos lógicos e jogos de espelhos. Ele próprio rende homenagem à literatura do seu país em contos em que se apropria do mitológico.
Não posso deixar de destacar entre outros A Biblioteca de Babel...
Um abraço
Mau. Lá vai a minha querida Nônô dizer que eu sou um verdadeiro e autêntico melga. Por tudo e por nada, deve ela pensar, creio, este velhote invade-me o Registos com «coisas» estranhíssimas. Tens razão, Leonor, já to disse: tornei-me num registodependente. Essa é que é a verdade. Mas tu és a principal culpada. Porque me provocas, porque atiras a primeira pedra.
Agora é o Borges. Tem piada – também o conheci. Também tive esse privilégio. Mais uma singular coincidência. Foi em Genebra, dois anos antes da sua morte. Ou seja, em 84, mais precisamente em Maio desse ano. E também sua mulher, Maria Kodama, hoje no nosso País, onde veio falar como viúva do escritor e sua secretária e colaboradora. Por mor e convite do Saramago. Explico.
Borges fora perdendo a vista desde 1950. E quando já não via, criava os seus poemas e ditava-os para que Maria os escrevesse. Eu assisti. Falámos durante mais de uma hora. Do seu bisavô Francisco, natural de Torre de Moncorvo, de onde emigrara para a Argentina. Bem queria ter ido conhecer a terra, mas, não tivera tempo.
De resto, Maria dissera-me que Jorge Luís sabia de cor estrofes dos Lusíadas. Era uma espécie de homenagem ao antepassado, confessou-me o homem das Letras.
Foi uma conversa saltitante, passando de um tema para outro com agilidade. Para um cego, depois de ter sido amblíope tantos anos, o que mais me impressionou foi que a sua visão do planeta, da vida e dos homens era muito especial. E crítica.
Recordo, agora, que me disse, mais ou menos que «… apesar de ter percorrido o Mundo todo, tenho a impressão de nunca haver saído da biblioteca do meu pai.» O progenitor, para ele, era um arquétipo. Mais do que pai, disse-me também, tinha sido o seu maior mestre.
Pronto. Vou tentar rever Maria Kodama. Não penso que seja muito difícil – se é que ainda está por aqui. Se não, fica para outra ocasião, espero. Sendo assim, um ganda queijinho, menina Leonorzinha.
Conheço muito pouco de Borges ou da sua obra, mas hoje foi quase um 2 em 1. Primeiro o poema, depois o espantoso relato deste teu amigo Antunes Ferreira, que por sua vez deu para entender melhor o poema.
Estamos sempre a aprender, Leonor... :)
Jinhos!
Teté
Não a conheço, mas, pelo menos, gostarei muito de a encontrar via net. Agradeço-lhe a gentileza com que me trata. Se a nossa Leonorzinha me estraga com mimos, Vossa Insolência dá cabo de mim com miminhos. Obrigado. Queijinhos
Pode encontrar-me em:
www.travessadoferreira.blogspot.com
ferreihenrique@gmail.com
Diga coisas, visite o meu blóguio e compre o me(a)u livreco, acabadinho de publicar: «Morte na Picada». É tudo ordens!!!!!! Ahahahahahah...
Fico à espera, sentado(?) Nã senhora, dêtado que cansa menos...
Que postagem ótima miha amiga, olha, fiquei aqui um bom tempo , facinante. Parabéns
Fiz postagem nova, se tiveres tempo apareça por lá. Um beijo, um carinho.
Qué alegría encontrar aquí a Borges y su poesía.
No hay dudas de que Heráclito estaba en lo cierto: nuestro mundo cada día va más rápido que el famoso río y todo es efímero.
Gracias por pasar por mi blog de arte, siempre eres bienvenida!
Te agrego en mis favoritos.
Un beso,
graciela.
Paulo
li-o numa noite de insónias, mas foi de facto como se o sentisse, como se o meu dia fosse principiar ali. Heraclito é um excelente autor, que Borges pega muito bem.
Costumo dizer que os Gregos já disseram tudo, mas há quem acrescente muito bem...
Caro Luís
O Jorge Luis Borges é um autor que me fascina, é daquelas pessoas que me deixavam e deixam sempre com a perspectiva de aprender sempre mais, perceber uma nova interpretação das coisas. Por mais que leia, encontro sempre coisas novas.
E comecei justamente a comprar a biblioteca de babel
boa semana
Caro Henrique
é o que eu digo: não há sítio onde não tenha estado (e agora pessoa que não conheça) e eu aliás com imensa inveja...
já sabia da origem transmontana do Borges porque ele tem precisamente uns versos sobre os seus antepassados, já os tinha lido.
E que foi uma personagem invulgar, também não tenho a menor dúvida, claro, deve ter sido um privilégio conhecê-lo
beijinhos
Teté
ainda bem que gostaste, a obra do Borges bem merece
beijinhos, boa semana
Martha
ainda bem que gostaste, é um excelente autor. Já lá passo, beijos
Graciela
Ah, pues que también me gusta mucho la poesia de Borges, quien sabe se de la proxima vez la ilustro con qualquer cosa tua?
besos
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